quinta-feira, 23 de maio de 2013

A História do Tantra

O Tantra é uma filosofia comportamental de características  matriarcais, sensoriais e desrepressoras.
A História do TantraDe onde surgiram essas características? A maior parte das sociedades primitivas não-guerreiras as tinham.
Toda sociedade na qual a cultura não era centrada na guerra, valorizava a mulher e até mesmo a divinizava, pois ela era capaz de um milagre que o homem não compreendia nem conseguia reproduzir: ela dava a vida a outros seres humanos. Gerava o próprio homem. Por isso era adorada como encarnação da divindade mesma. E mais: através das práticas tântricas, era a mulher que despertava o poder interno do homem por meio do sexo sacralizado. Ainda hoje ela é reverenciada como deusa no Tantra.
Daí, a qualidade matriarcal. Dela desdobram-se as outras duas características. A mãe dá à luz pelo seu ventre – isso é sensorial. Alimenta o filho com o seu seio – isso é sensorial também. Não poderia ser contra a valorização do corpo, não poderia ser anti-sensorial como os brahmácharyas. A mãe é sempre mais carinhosa e liberal do que o pai, até mesmo pelo fato de o filhote ter nascido do corpo dela e não do dele. E também porque é da natureza do macho ser mais agressivo e menos sensível. Pode ser que tal comportamento tenha muita influência cultural, mas é reforçado, sem dúvida, por componentes biológicos.
Por tudo isso e ainda como conseqüência da sensorialidade, desdobra-se a qualidade desrepressora do Tantra. O impulso pelo prazer não é obliterado ou reprimido como ocorre noutras linhas comportamentais. Pelo contrário, o Tantra considera o prazer como uma via bastante válida na conquista do desenvolvimento interior.
Assim era o povo drávida, que vivia antigamente no território hoje ocupado pela Índia. Assim era o Tantra que nasceu desse povo e assim era o Yôga que existia naquela época: um Yôga tântrico.
Mas um dia a Índia começou a ser invadida por hordas de sub-bárbaros guerreiros, os áryas ou arianos.
Ao guerreiro não podem importar o envolvimento mais profundo com a mulher nem a conseqüente família e o afeto. Seria até incoerente. Ele não pode ter laços que o amoleçam ou se sentirá acovardado diante da expectativa da luta e da morte sempre iminente. Então, ele torna-se contra a influência da mulher que frenaria sua liberdade e seu impulso belicoso. É contra os prazeres que o tornariam acomodado. É contra a sensorialidade, pois também não pode se permitir sensibilidade à dor durante o combate ou perante a tortura. Por isso tudo, ele é anti-sensorial, restritivo à mulher e contra o prazer. Por conseqüência, torna-se repressor, pois começa a proibir o sexo, a convivência com a mulher e os prazeres em geral. Depois expande essa restrição, tornando-a uma maneira de ser, uma filosofia comportamental.
Quando os arianos ocuparam a Índia há 3.500 anos, impuseram a cultura brahmácharya (patriarcal, anti-sensorial e repressora), proibindo, portanto, a cultura tântrica (matriarcal, sensorial e desrepressora) por ser oposta ao regime vigente. Quem praticasse o Tantra e reverenciasse a mulher, ou divindades femininas, seria acusado de subversão e traição. Como tal, seria perseguido, preso e torturado até a morte.
Dessa forma, com a sua proibição por razões culturais, raciais e políticas, o Tantra se tornou uma tradição secreta. Continua assim até hoje, pois continuamos vivendo num mundo marcantemente brahmácharya, não apenas na Índia, mas na maior parte das nações.

O Yôga primitivo, de raízes Tantra e Sámkhya, foi resgatado na atualidade e sistematizado com o nome de Swásthya Yôga.
Consta que uma das razões que contribuíram para a queda do Império Romano teria sido a introdução dos banhos quentes como hábito cotidiano, os quais teriam arrefecido a têmpera dos seus, antes, bravos guerreiros. No Brasil, para domar a fibra dos temíveis índios cinta-largas, do Amazonas, os construtores da estrada Transamazônica usaram... açúcar!
Autobiografia, de Swámi Sivánanda, Editora Pensamento, página 140.
Em vários livros de Yôga de linha brahmácharya encontra-se a proibição de se utilizar alho e cebola na alimentação, enquanto nos de Yôga tântrico esses dois alimentos são considerados muito úteis à saúde. É que, por serem bastante energéticos, costumam aumentar a energia sexual de quem os utilize e, como os brahmácharyas são contra a expressão da sexualidade, tais alimentos são tachados de "piores do que a carne".

Os dois ramos

 Segundo alguns autores o tantra é composto por dois ramos denominados a "mão esquerda" e a "mão direita". Embora o objectivo geral dos dois seja o mesmo, os processos utilizados diferem. A "mão esquerda" está ligada muitas vezes à procura de poderes ocultos e à extroversão de energia psíquica sob forma de capacidades supra-normais. A "mão direita" está ligada à canalização de toda a energia para a elevação espiritual do ser humano. Este é também conhecido como Vidya Tantra ou tantra do conhecimento e a mão esquerda como Avidya Tantra. O tantra correctamente praticado acelera rapidamente o progresso espiritual do ser humano. Apesar disso o tantra é muitas vezes encarado com desconfiança devido a certos aspectos do avidya tantra. É bem conhecido o fato de que o Budismo Tântrico sempre enfatiza a necessidade de supervisão por um orientador de confiança.

As linhas e escolas de Tantra 

 No Tantra existem três linhas de comportamento, que são: Tantra branco ou linha branca (dakshinachara); Tantra negro ou linha negra (vamachara); e Tantra cinzento ou linha cinza. Estas três linhas caracterizam-se, entre outras coisas, pela utilização ou não de: bebidas alcoólicas; fumo; drogas; alimentação com carnes e relação sexual com orgasmo (Santos, 2000).
                        De acordo com o Kulárnava Tantra (citado por Feuerstein, 1977, 1998), existem sete tipos (escolas) diferentes de Tantra:
                        1. Dakshinacharatántrika, a maneira da mão direita ou Tantra branco;
                        2. Vamacharatántrika, a maneira da mão esquerda ou Tantra negro;
                        3. Vêdacharatántrika, a maneira Vêdica (de Veda);
                       4. Vaishnavacharatántrika, a maneira do devoto de Vishnu (representa o Segundo Aspecto da Trimurti [Trindade Divina] hindu, cujo atributo é a conservação);
                        5. Shaivacharatántrika, a maneira do devoto de Shiva (nome do criador do Yôga. Representa também o Terceiro Aspecto da Trimurti hindu, cujo atributo é a renovação);
                        6. Siddhántacharatántrika, a maneira do seguidor da tradição Siddhánta (Siddhánta significa doutrina. É considerada a forma mais elevada do Tantra negro).
                         7. Kaulacharatántrika, a maneira do seguidor da Escola Kaula (escola de Tantra fundada por Matsyêndra Natha no séc. XI d. C.).
                        No entanto, DeRose (1998) refere que a principal divisão do Tantra é a que o divide em linha branca e linha negra (ou, melhor ainda, em mão direita e mão esquerda). Estas últimas cinco escolas pertencem ao chamado Tantra cinzento, com tendência mais para a esquerda (vamachara) ou para a direita (dakshinachara). Temos, portanto, três linhas de Tantra que são constituídas por sete escolas. O Tantra mais antigo, o Tantra dravídico, é o dakshinacharatántrika, a maneira da mão direita ou Tantra branco. As formas sistematizadas a partir da ocupação ariana dão origem a um Tantra de protesto que visa contestar essa nova cultura imposta. Daí surgirá o Tantra negro e, mais tarde, o cinzento. Contudo, serão escritos apenas a partir do século VIII d. C. (na Idade Média), ou seja, cera de 4 000 anos depois da origem, englobando rituais e misticismo, coisas que o Tantra branco, arcaico, não tinha.
                        Desta forma, podemos encontrar na índia diversas comunidades tântricas, cada uma com a sua linha de instrutores, de gurus particulares, com técnicas de iniciação (díkshá) especiais. Tradicionalmente contam-se cinco grupos principais: os shaktas (seguidores de Shaktí), os shaivas (seguidores de Shiva), os vaishnavas (seguirdes de Vishnu), os ganapatyas (seguidores de Ganêsha ou Ganapati) e os sauras (seguidores da divindade solar Súrya) (Riviére, 1962b).
                        Todo o sádhana (prática) tântrico aspira ao despertar da Kundaliní (Shivánanda, 1992). De acordo com os Tantras, ainda existem três grandes escolas (Rama, 1990) ou grupos de praticantes (Ajaya, 1990): Kaula, Mishra e Samaya. Os do grupo Kaula (deriva de ku – terra), tântricos da mão esquerda, fazem rituais externos, incluindo práticas sexuais, e meditam na kundaliní na base da espinha (múládhára chakra). Os leigos, muitas vezes, empregam mal esse caminho. Os do grupo Mishra (combinado ou misto), através do culto interior combinado com práticas externas, acordam esta força latente e guiam-na até ao anáhata chakra (o centro do coração), onde é adorada. Estes dois primeiros grupos realizam certos rituais e acreditam na obtenção de poderes (siddhis). O grupo Samaya é o mais importante. O termo samaya significa Ele está comigo e refere-se à união final entre Shiva e Shaktí, as polaridades que estão por detrás da manifestação deste mundo. Aprendem práticas avançadas para conduzir a kundaliní directamente até ao lótus das mil pétalas, o sahásrara chakra no cimo do crânio, cujo resultado é a união final Shiva-Shaktí e o mais elevado estado de realização. (Ajaya, 1990; Rama, 1990, 1995). A Samayachara é uma escola de tântricos de mão direita (Khanna, 1981; Rama, 1995). Este é o caminho mais puro e mais alto do Tantra. Puramente yôgi, nada tem que ver com qualquer ritual ou forma de culto que envolva o sexo. A chave é a meditação, mas uma espécie incomum de meditação. Nessa escola, faz-se a meditação no lótus de mil pétalas, o mais elevado de todos, e o seu metido de adoração chama-se antaryaga. Nela se revela o conhecimento do Shrí Yantra, chamado a mãe de todos os símbolos, porque todos derivam dele. Este símbolo é considerado um mapa dos planos da manifestação (lôkas). Também é chamado Shrí Chakra pois representa igualmente os chakra (Ajaya, 1990; Rama, 1995). Os constituintes principais a partir dos quais o universo é manifestado são instrumentados directamente pelo uso de mantra (vocalização de sons) e visualizações (Rama, Ballentine, & Ajaya, 1976). O estudo dos chakra, nádi (correntes nervosas subtis) e prána (forças vitais) e um estudo filosófico da vida são necessários a quem quiser ser aceito como discípulo nessa escola (Rama, 1995). As duas classes principais de seguirdes do Tantra são os samayins que acreditam na identidade de Shiva e Shaktí e esforçam-se por acordar a Kundaliní mediante exercícios espirituais, e os kaulas, que veneram Kauliní (kundaliní) e entregam-se a rituais concretos. Esta distinção é sem dúvida exacta, mas não é facial saber até que ponto um ritual deve ser cumprido literalmente. Não é demais insistir sobre a ambiguidade do vocabulário erótico na literatura tântrica (Eliade, 1954).

Bibliografia

- Ajaya, S. (1990). Kundalini and the tantric tradition. In J. White (Ed.), Kundalini, Evolution and enlightenment (pp. 98-105). St. Paul: Paragon House.
- DeRose (1998). Hiper orgasmo, Uma via tântrica. São Paulo: Martin Claret & Uni-Yôga.
- Eliade, M. (1954). Le Yôga, Immortalité et liberté. Paris: Editions Payot.
- Feuerstein, G. (1977). Manual de Ioga. São Paulo: Cultrix.
- Feuerstein, G. (1998). Tantra, The path of ecstasy. Boston & London: Shambhala.
- Khanna, M. (1981). Yantra, The tantric symbol of cosmic unity. London: Thames and Hudson.
- Rama, S. (1990). The awakening of Kundalini. In J. White (Ed.), Kundalini,Evolution and enlightenment (pp. 27-47). St. Paul: Paragon House.
- Rama, S. (1995). Vivendo com os mestres do Himalaia, Experiências espirituais do Swami Rama (4th ed.). São Paulo: Pensamento.
- Rama, S., Ballentine, R., & Ajaya, S. (1976). Yôga and psychotherapy, The evolution of consciousness. Honesdale: The Himalayan International Institute of Yôga Science and Philosophy.
- Riviére, J. (1962b). El Yôga Tantrico, Teoria y tecnicas de meditacion, Buenos Aires: Kier.
- Santos, S. (2000). Yôga, Sámkhya e Tantra, Uma iniciação histórica e filosófica ao Yôga, ao Sámkhya e ao Tantra, desde as suas origens (3rd ed.), São Paulo: Martin Claret & Uni-Yôga.
- Shivánanda, S. (1992). Senda divina (2ª Parte. De Om a Yôgasanas). Madrid: EDAF.

Nenhum comentário:

Postar um comentário